Divisão de riqueza com país empobrecido incentiva manifestações por independência na Catalunha
Uma caminhada de quase três semanas levou milhares de mineiros, no mês passado, à capital espanhola, num protesto que ficou marcado como um dos mais violentos desde o início da crise econômica — horas antes da “marcha negra”, o premier Mariano Rajoy anunciara um plano para eliminar € 65 bilhões do orçamento do país nos próximos dois anos e meio. Porém, enquanto trabalhadores convergem para Madri em uma série de protestos contra as medidas de austeridade, numa das regiões autônomas mais ricas do país, a Catalunha, os cortes do governo têm servido de combustível para outra mobilização. O movimento nacionalista catalão, cuja história moderna remonta a 1901, volta a ganhar força diante de um sistema de arrecadação solidária que repassa cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) da Catalunha a regiões mais pobres da Espanha.
— No fundo, o problema econômico está escondendo um impasse político, uma questão de encaixe da Catalunha na Espanha, que cada vez tem menos futuro — diz Joan Rossinyol, responsável pela sucursal de Madri do jornal catalão “ARA”.
Ao mesmo tempo em que pede um resgate financeiro a Madri para garantir o pagamento a servidores públicos — assim como o fizeram Valência e Múrcia —, a Generalitat (governo regional catalão) enviou ao governo central uma proposta de mudança no sistema de arrecadação de impostos, similar ao que já ocorre em Navarra e no País Basco. Entretanto, a proposta, que implicaria uma mudança constitucional, não conta com o apoio do Partido Socialista, assim como do Partido Popular.
O provável veto do governo à mudança deve acirrar ainda mais a tensão entre Madri e Catalunha. Em 2006, o Parlamento catalão aprovou um estatuto de autonomia mais ambicioso para regular as relações econômicas com o governo central, mas a maioria das medidas foi rejeitada.
— A população está muito consciente de que essa é uma última aposta. Se Madri aceitar o novo pacto, a Catalunha estará acomodada dentro da Espanha. Mas, se o governo central negar, pode haver o que chamamos de “choque de trens”, e levar a Catalunha a um gesto político mais contundente, como a antecipação das eleições ou um referendo pela independência — prevê Rossinyol.
Segundo pesquisa recente do Centre d’Étudis d’Opinió da Generalitat, 51,1% dos catalães votariam pela independência da Espanha em um referendo hipotético, num aumento de seis pontos percentuais em relação ao último levantamento. Enquanto isso, o grupo dos que se opõem à soberania continua a diminuir, e representa agora 21% da população.
Até setembro estão previstos mais de 200 protestos a favor da independência na Catalunha, numa mobilização que terá como marco o dia 11 do mesmo mês, quando se comemora a tomada de Barcelona das mãos da coroa espanhola em 1714. Segundo Nicholas Siegel, analista do German Marshall Fund, o plano da Assembleia Nacional Catalã é organizar um referendo para mudar o status da região no próximo ano, e então proclamar independência em 2014.
— Há um problema de falta de cálculos em Madri. A impressão é que há momentos em que o governo central sabe muito bem o que está acontecendo na Catalunha, e há outros em que parece não entender absolutamente nada — pondera o catalão Carles Boix, professor de economia política na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. — É um debate eterno, que nunca se resolveu bem, e que nestes momentos de crise se agrava.
O peso econômico da Catalunha, que representa um quarto da riqueza espanhola, é justamente o que está freando o acordo econômico. Hoje com uma dívida de € 42 bilhões, a Generalitat defende que um melhor financiamento da região acabaria, na verdade, sendo positivo para o país.
— Um sistema de financiamento de comunidades autônomas sem a participação de uma das maiores regiões teria que ser repensado — alerta o economista César Cantalapiedra, analista da Escola de Finanças Aplicadas (AFI), em Madri. — O modelo de financiamento espanhol já está em crise.
Símbolo da diversidade cultural da Espanha, o sistema de autonomias tem origem no século XVII, quando os reinos da Península Ibérica, liderados pelo Reino de Castela, se uniram para conter a expansão árabe no território, no embrião do que se tornaria o Estado espanhol. Os reis de Leão, Navarra e Aragão, portanto, mantinham a identidade política e cultural, mas partilhavam sua soberania com os monarcas de Castela.
O sistema conhecido hoje nasceu na Constituição de 1978 para conter os movimentos nacionalistas catalão e basco após 36 anos de ditadura franquista. O modelo estendeu-se a outras 15 regiões e vinculou autonomia e democracia, em contraponto a centralismo e franquismo. Porém, na Catalunha e no País Basco, nações com história, cultura, língua e instituições próprias, movimentos separatistas continuaram, e ganham força em alguns momentos.
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